DEPRESSÃO
A Depressão representa uma
importante subcategoria dos Transtornos de Humor, onde a persistência
de um determinado padrão de tristeza (aspecto revelador de mágoa,
aflição ou melancolia) pode ser observada.
Sua etiologia ainda não é
completamente definida. Diversos fatores são implicados na gênese
da depressão, tornando claro o conceito de que se trata de uma
condição geralmente multifatorial. Podemos destacar como parte
dessa multiplicidade etiológica aspectos genéticos, neuro-humorais,
psíquicos, e ainda, relacionando-se principalmente às depressões
de início tardio, fatores ambientais.
Estudos demonstram a presença
de componentes genéticos na transmissão familiar das doenças do
humor. Filhos de pais que apresentam esses distúrbios têm um risco
aumentado de desenvolverem a mesma enfermidade de seus pais ou até
mesmo outras doenças psiquiátricas.
Investigações sobre o
componente neuro-endócrino na gênese da depressão vêm sendo cada
vez mais realizadas. Alterações hormonais, principalmente do
cortisol, TSH, e no hormônio do crescimento (GH) são documentadas
como uma das possíveis causas de surgimento da doença, porém
muitas pesquisas ainda deverão ser realizadas sobre esse aspecto.
Hoje em dia, sabe-se que na
depressão ocorrem alterações no equilíbrio dos sistemas químicos
do cérebro, englobando importantes neurotransmissores como a
serotonina e a noradrenalina. A interpretação dos resultados dos
estudos sobre neurotransmissores na depressão é ainda insuficiente.
Fatores psicológicos e
sociais são destacados como possíveis desencadeadores do processo
depressivo. Parte de um pensamento psicanalítico clássico, afirma
que a depressão é “a perda voltada contra o self”,
ou seja, a
hostilidade sentida originalmente em relação ao objeto é voltada
contra si mesmo. Adversidades ao longo da vida, a perda de um
cônjuge, o nível econômico, ausência de apego a uma religião
aparecem em diversos trabalhos como alguns dos fatores percebidos
nesses pacientes, ainda sem conclusão de ser causa ou conseqüência
desse Transtorno.
Quanto a sua classificação,
os episódios podem ser divididos de acordo com a gradação do
quadro; em episódio leve, moderado ou grave. Nessas três variedades
o indivíduo apresenta usualmente humor deprimido, perda de interesse
e prazer, fatigabilidade aumentada, atividade e energia diminuídas.
A diferenciação entre os episódios baseia-se em um julgamento
clínico que envolva a quantidade, tipo e gravidade dos sintomas.
Outros sintomas que também aparecem comumente na depressão são:
concentração, atenção e apetite diminuídos, auto-estima e
autoconfiança reduzidas, idéias de culpa e inutilidade, insônia,
visões desoladas e pessimistas do futuro, idéias ou atos
autolesivos ou suicídio. Alguns quadros estão ainda associados à
presença de sintomatologia psicótica como conteúdo delirante de
pensamento como, por exemplo, idéias de ruína.
Diferentemente da depressão
no adulto jovem, o humor depressivo pode não ser tão evidente no
idoso, sendo mais característica a predominância de sintomas
astênicos, adinâmicos, somáticos, redução de sono e apetite.
Delírios, ansiedade, desconfiança e agressividade podem também ser
observados. A perda de peso e a desnutrição costumam ocorrer. Nessa
faixa etária a atenção deve ser redobrada, pois doenças clínicas
como hipotireoidismo, câncer, diabetes, Parkinsonismo, processos
demenciais devem ser investigados e ainda nessa faixa etária a
atenção acerca de ideação suicida deve ser cautelosa, pois para
cada dois idosos que tentam o suicídio, um deles terá desfecho
letal.
Um recurso que pode ser
utilizado nesse processo de avaliação diagnóstica é a Escala de
Hamilton, desenvolvida em 1960, que permanece ainda bastante atual na
prática psiquiátrica. Composta por 21 itens que visam detectar a
existência de depressão e a intensidade desta. Muitas perguntas do
teste avaliam o funcionamento habitual do paciente, presença de
sintomas somáticos, dentre outros.
Ainda para classificação
diagnóstica, vêm sendo utilizados critérios de acordo com o CID-10
(Classificação de transtornos Mentais e de Comportamento) e/ou o
DSM IV, que nos fornecem diretrizes diagnósticas a percorrer.
TERAPIA
Excluindo-se diagnósticos
diferenciais (como patologias endocrino-metabólicas, hematológicas,
cardiológicas, infecciosas e de origens diversas que espelhem
sintomatologia depressiva) nas quais, com a eliminação dos fatores
causais, o quadro remite, devemos avaliar cautelosamente o emprego de
antidepressivos. É válido lembrar que o acompanhamento evolutivo
mostra que certos casos de etiologia não neuropsiquiátrica indicam
o uso concomitante daquelas drogas.
Os transtornos depressivos
responsivos a alterações na neuroquímica cerebral, em pessoas
geneticamente predispostas, têm maior resposta ao tratamento
farmacológico.
A atenção dada às causas
orgânicas assim como aos fatores de crise eminentemente emocionais é
muito valiosa. Da mesma forma, o estabelecimento diagnóstico,
baseado em critérios já respaldados, como DSM-IV ou CID-X, não
pode ser deixado de lado.
Associação com modalidades
psicoterápicas (Cognitiva, Interpessoal, Psicodinâmica, e outras),
assim como mudanças nos hábitos diários (atividade física
regular, melhora na qualidade do sono, alimentação balanceada,
desestímulo ao consumo de álcool e tabaco, exposição controlada
ao sol) podem mostrar utilidade em boa parte dos pacientes,
especialmente nos casos novos de sintomatologia leve.
FARMACOTERAPIA
Existem diversas classes de
antidepressivos já comercializados, variando quanto a certos fatores
como: farmacocinética, ligação a proteínas plasmáticas, perfil
de metabolização hepática, eliminação, mecanismos de ação e
efeitos colaterais.
Os aspectos mais importantes a
serem levados em conta são:
-
Idade do paciente: em idosos, devemos evitar drogas de efeito anticolinérgico, ou com grande interferência nos citocromos, pelo uso de outras medicações concomitantes. Inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS), como a sertralina, são mais seguros na infância.
-
Gravidez: a fluoxetina tem menor risco, especialmente em testagens no primeiro trimestre.
-
Aleitamento: o ideal é a utilização de drogas não excretáveis no leite, ou de excreção mínima e metabolização fácil pelo bebê, como nortriptilina e sertralina.
-
Sintomas associados: evitando-se o uso de drogas que potencializem, por exemplo, o ganho de peso (tricíclicos – ADT), ou que tenham risco em caso de abuso nos pacientes potencialmente suicidas ou impulsivos. Em contra-partida, nos casos com insônia e/ou ansiedade, a amitriptilina, pelo seu efeito colateral sedativo, pode apresentar boa resposta.
-
Intensidade dos sintomas: casos leves podem ser conduzidos inicialmente com abordagem psicoterápica regular (por profissional experimentado na área), avaliando-se sempre a necessidade de uso de drogas se a resposta não for satisfatória. Nos pacientes de sintomatologia moderada, a eficácia do uso de tricíclicos e ISRSs é comprovada, sendo que estas apresentam menor espectro de efeitos colaterais. Em situações severas novas drogas surgem demonstrando também importantes propriedades terapêuticas, como a venlafaxina (inibidor duplo de recaptação de serotonina e noradrenalina), a bupropiona (antidepressivo de ação dopaminérgica) e a mirtazapina, porém, sempre que possível, os ADT devem ser a primeira escolha nestes pacientes, pois parecem ser os mais efetivos.
-
Comorbidades neuropsiquiátricas e associações com outras patologias: transtornos de pânico respondem melhor a imipramina ou paroxetina, por exemplo, sintomas psicóticos exigem acréscimo de neurolépticos (na fase de manutenção o ideal é deixar apenas o antidepressivo), cardiopatias excluem tricíclicos, epilepsia contra-indica bupropiona, disfunções sexuais podem ser agravadas pelos ISRSs.
-
Resposta ao antidepressivo: preferir drogas de resposta sabidamente eficaz contra episódios anteriores, se as reações adversas foram bem toleradas.
-
Uso de outras drogas: evitar medicações com perfil metabólico complexo (ex.: fluoxetina) especialmente em pacientes idosos polimedicados ou com câncer.
-
Preço: a escolha da medicação deve priorizar o menor grau de efeitos colaterais, porém estas drogas, mais modernas, são de acesso difícil à boa parte da população. Importante ainda é reportar ao paciente o risco de obtenção de fármacos manipulados, de procedência duvidosa.
Em casos de depressão maior,
o ideal é aguardar 6 a 8 semanas, de dose terapêutica, para avaliar
a fidedignidade da resposta à droga utilizada, porém, pode ser
necessário a utilização de alternativas se, após 4 semanas, o
paciente não apresentar alteração na intensidade dos sintomas,
especialmente na anergia e anedonia. Na distimia, a literatura
recomenda esperar 12 semanas antes da mudança na terapia.
Observam-se os primeiros
resultados, normalmente, entre o sétimo e o décimo - quinto dia
após o início do fármaco. Deve-se atingir o nível sérico mínimo
dos tricíclicos neste período, favorecendo a tolerância aos
efeitos colaterais. As outras classes parecem não ter relação com
níveis séricos.
Os ISRSs usualmente são a
primeira escolha, pela maior adesão dos pacientes e eficácia
comprovada. A venlafaxina, mirtazapina, bupropiona e nefazodona, têm
ganhado força internacionalmente como drogas de escolha. As últimas
três levam à menor disfunção sexual, o que incentiva a
continuidade do uso.
A remissão total dos sintomas
está intimamente relacionada com um número menor de recaídas, e
esta remissão deve ocorrer naquele período (6-8 semanas),
mantendo-se então a dose (efetiva com boa tolerância) por 12 a 18
meses. A redução precoce da farmacoterapia pode induzir recaída.
Após este último período, o desmame gradual da droga deve ser
iniciada.
Em casos recorrentes o uso do
fármaco deve ser continuado por 2 a 5 anos, e se o número de
recaídas for superior a três o tratamento passa a ser continuado
por tempo indeterminado, nas doses aplicadas na fase aguda.
Nos casos de difícil manejo,
sem resposta até a quarta semana, pode-se aumentar a dose (ex.: para
40 mg/dia de paroxetina ou citalopram e até para 200 mg/ dia de
sertralina), e se a resposta for positiva faz-se a manutenção com
estas doses mais elevadas.
Não havendo melhora da sexta
a oitava semana, recomenda-se a troca da classe medicamentosa. Tanto
de tricíclico para ISRS, como vice-versa. Além de drogas de uso
recente, como a bupropiona ou venlafaxina. Ainda a mirtazapina e o
milnaciprano podem ser bem indicados em pacientes com sintomatologia
atípica, como hipersonia, hiperfagia e reatividade do humor.
Existem linhas terapêuticasque estudam a
potencialização dos antidepressivos pela associação com outras
medicações (ex.: carbonato de lítio, metilfenidato,
triiodotironina e pindolol), porém ainda sem evidências
consistentes de eficácia.
Existe ainda a possibilidade
da combinação de antidepressivos de espectro de ação distintas,
usados em modo combinado. Como associação entre ISRS com
tricíclicos noradrenérgicos (ex.: citalopram com nortriptilina),
com bupropiona ou venlafaxina para situações de depressão
recorrente, de difícil manejo.
A utilização de inibidores
de monoaminoxidase (IMAO) tem diminuído cada vez mais pelo potencial
de efeitos prejudiciais aos pacientes, como crises hipertensivas,
especialmente quando a dieta destes leva tiramina (presente em
conservas e queijos) em concentrações maiores.
Por fim a
eletroconvulsoterapia (ECT) continua indicada para casos nos quais
todas as possibilidades anteriores falharam, tendo sempre em mente a
necessidade de reavaliação clínico-complementar do paciente.
Realizam-se 3 sessões semanais, num total de 8 a 12 sessões. Quando
a resposta for positiva a manutenção deve ser com drogas
antidepressivas. Pacientes com risco de vida (catatonia grave,
anorexia severa e risco de suicídio) são os mais indicados para
ECT. A situação mais comum de indicação de ECT, como conduta
precoce, são os casos de depressão grave com sintomas psicóticos.
CONCLUSÃO
O médico deve ter em mente
que o diagnóstico bem estabelecido do transtorno depressivo é tão
importante quanto o manejo terapêutico proposto, e que cada paciente
expressa sintomas em número e grau de intensidade variados. O
acompanhamento deve ser inicialmente semanal, se possível. Critérios
de cura ainda são difíceis de serem protocolados, portanto após
alta médica recomenda-se ao menos uma reavaliação anual destes
pacientes. A depressão, assim como os transtornos reativos e
ansiosos são cada vez mais observados na prática médica, deve
então o profissional se manter atualizado, tanto a novas terapias
quanto a resultados de pesquisas em grupos criteriosamente
selecionados. Cada indivíduo é geneticamente único, sua história
clínica também. A boa abordagem ocorre se a boa relação se
mantiver.
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