Dividendos

De cara, você me aparece pelado. Ela te pega. E chora. Eu, idiota de novo, faço piada. Te ouço, toco, cheiro e vejo. Tudo de uma vez. Você é limpo, aquecido, pesado, medido, vestido, alimentado. Te encubam. Volto heroico, para ver nossa mulher. Divido e sei que dividirei muitas vezes mais. Dividira antes. Mas era com a princesinha. Agora é contigo. Branquelo e sacudo.

Sacana, você vai me quebrando. Derrubando o muro de grosseria estúpida. Vai me encantando com o passar do tempo. Vai me descobrindo. E eu, descubro você. Meses, de porradas e provações, se apresentam. Você e sua irmã me realimentam. E eu vou engordando de bem-querer.

Você acorda, e cedo me busca. Me cutuca e me acorda. Me belisca, me bate e me arranha. Me baba, puxa meu cabelo, minha barba, meus pelos. A casquinha da minha ferida. Seus dentinhos nascem. E você aproveita para me morder. Finjo que ainda durmo. Depois acordo te assustando. Você ri, me derreto.

Rouba tudo. Tenta até roubar minha bebida. Rouba todo mundo ao meu redor. Mas o mais cruel foi ter roubado aquele sorriso. Aquele que eu achava que era somente para mim. O sorriso de amor puro da minha gostosura. Ela te ama. Te aperta e estrangula de amor.

Mas eu me vingo. Pego vocês dois nos braços. E forte e poderoso, brado. Vocês me olham e riem. E me agarram. Morro de novo. Entregue, nesses quatro pequenos braços. Montes de dedinhos nos meus ralos cabelos. Dedinhos percorrendo a longa barriga, que riem quando acham meu umbigo.

Lembro do meu pai. Do meu avô. De apertar o nariz deles. E deles brincarem comigo. Fazerem careta e barulho de buzina. Seu avô fala com uma voz que perfura meu cérebro e lembro, com instinto, sem sentido. Me faz viajar no tempo. Num tempo onde as pernas da minha mãe eram longas e seu colo distante. Vejo as brincadeiras das minhas memórias. Abro os olhos e vejo vocês.

Vejo seu riso levado. E me levo nele, levemente. Vejo você embaixo do edredom. Só de fralda. Catamos juntos sua chupeta. Seu amor primeiro, nos ajuda. Mas, se liga, carinha. A mão dela é minha. De mãos dadas fizemos vocês.

Você, viciado nela, se desespera. Quando ela se vai, na madrugada. Mamadeira vazia na mão. Eu rio e, sem efeito, te explico. Antes que entenda, ela volta. Mamadeira já cheia. Você se espanta. Todas as vezes. Eu e ela rimos de você. Da sua inocência. E você ri da gente. Da nossa inocência.


Ela te faz dormir. Eu me escondo para não atrapalhar. Durmo antes de vocês. Dormimos todos. Até que você acorda, de manhã cedo, e me busca. Me cutuca e me acorda. Me belisca, me bate e me arranha. Me baba, puxa meu cabelo, minha barba, meus pelos. A casquinha da minha ferida. Finjo que ainda durmo. Depois acordo, te assustando. Você ri, me derreto de novo. Agora vai dormir, que papai vai trabalhar.

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